quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Noites de inverno - Explicações Desnecessárias (4)

Explicações Desnecessárias 

Não tinha tanta razão quanto pensava , o frio dentro do ônibus era quase igual ao do frio que fazia do lado de fora . Entramos , ainda de mãos dadas (um simples toque que fazia os pelos da minha nuca se arrepiarem) no ônibus bissanfonado. Ela passou a catraca primeiro , seu bilhete ainda conservava a capinha rosa com adesivos que ela colara . Passei logo depois e nos sentamos em assentos mais ao fundo , olhei em seus olhos azuis e senti minha cabeça rodar por alguns segundos , Ainda parecia loucura ela estar alí , eu queria somente beija-la e esquecer que o mundo existia . Peguei seu queixo com a mão direita e toquei meus lábios nos dela mais uma vez , era simplesmente indescritível .



Olhei para ela enquanto o ônibus começava a andar , e então percebi que não havíamos trocado uma única palavra , resolvi começar para quebrar o gelo :


— Oi — eu disse abafando uma leve risada . Por mais que os beijos fossem tão naturais , falar com ela depois de quatro meses ainda parecia irreal .


— Oi — disse ela totalmente sem saber o que dizer depois disso .


Ficamos nos olhando por alguns minutos enquanto o ônibus andava pela cidade , eu não fazia a mínima idéia de como eu iria perguntar aquilo , tinha medo de parecer insensível ou que não queria que ela estivesse alí comigo . Abri a boca algumas vezes emitindo silabas como "porrr?" , "parrr?" , "ehhhhh?" até que ela olhou para nossas mãos frias que estavam unidas em um nó sobre nossas bolsas . Ela se adiantou e disse.


— Você está querendo perguntar por que eu voltei mais cedo não é ? — o sorriso que eu sentia em seus lábios quando os beijava sumiu com essa pergunta , agora ela estava séria .


— Sim — respondi sem coragem para encara-la — desculpe pela pergunta insensível .


— Não é insensível — disse ela ainda olhando para nossas mãos , agora eu também olhava para elas — é exatamente o que eu preciso dizer .


— Mas uma coisa que não precisa me dizer agora — senti a parte de Leco em mim naquela hora , quando eu entrara em colapso , fora exatamente o que ele disse quando eu tentei explicar .


— Mas eu quero Vico , eu Quero dizer tudo o que aconteceu lá em Londres , tudo que se passou na minha cabeça quando eu estava lá . Tudo que me deu vontade de dizer a você sem conseguir , eu precisava voltar .


Houve uma pausa em suas explicações , parecia que ela queria pensar no que dizer , pensando no jeito certo de dizer o que estava sentindo e isso era uma parte minha nela , sempre tive dificuldade de me expressar , e desde que a conheci ela também ficara um pouco mais assim (ou talvez seu sentimentos tivessem se embaralhado mais do que ela pudesse explicar simplesmente) .


— Depois de te ver no aeroporto antes de embarcar ... E a saudade que eu tinha de todos aqui ... Saber que tudo aquilo que você fez por mim e o jeito que eu joguei tudo para o alto — ela parecia não saber por onde começar e eu podia sentir a pressão emocional sobre ela . Soltei minhas mãos das dela fazendo ela levantar a cabeça para olhar para mim , me surpreendi ao ver que haviam lágrimas em seus rosto , aquilo era mais do que eu poderia ver . Passei meu braço direito por ela , colocando em seu braço direito e a puxei afagando-a em meu peito macio de tantas blusas .


— Para encurtar a história — continuou ela — Quando eu vi um homem beijar um mulher e o ouvir dizer "vai ficar tudo bem" enquanto ela chorava , eu não aguentei mais , eu precisava voltar . Londres não era minha casa , fui para lá achando que acharia meu lar lá mas , percebi que meu lar sempre estivera aqui , sempre estivera tão perto .


Ela não precisava dizer mais nada , era tudo o que eu precisava ouvir . Saber que eu podia oferecer o que ela precisava era o que eu tentava fazer desde que a conheci , ou antes , quando me interessei por ela (pela beleza dela) . A conheci no estágio , do mesmo jeito que conheci Leco , a única diferença , foi que falar com ela fora muito mais difícil do que Falar com Leco , admito , mas nunca tive muito jeito com garotas . Eu sempre tropeçava , gaguejava , falava besteira ou algo do tipo , e foi exatamente assim quando eu a conheci.


Era um dia nublado e chuvoso , mas não estava muito frio pois o calor estava abafado na atmosfera carregada de nuvens . Naquele dia Leco havia falta no estágio , ele fora ao médico fazer uma consulta de rotina e o dia estava sendo insuportável .


Ficar naquela sala sem Leco era insuportável , eu não fazia idéia de como era ruim ficar ali sozinho , vendo o professor sentado em sua cadeira corrigindo as provas e os outros estagiarios conversando com seus colegas enquanto eu permanecia sozinho e calado como um estatua , como se eu estivesse invisível , como se eu não existisse . Era exatamente assim que eu me sentia antes de conhece-lo , como se não existisse . Meu peito era oco e vazio , minhas mãe eram frias (ainda são frias) e meu rosto estava engessado em uma mascara inexpressiva , meu coração batia fraco como se estivesse tentando poupar energia , minha respiração era descompassada e as horas passavam como dia . Depois daquele ano eu me sentia como quatro anos mais velho ... Ou talvez mais . Leco era um amigo e uma companhia constante para mim , era como um Band Aid em um machucado , me distraia e me colocava para cima com seu sorriso sempre aberto e simpático , era impossível continua triste perto dele , e isso que eu gostava tanto .


O horário da aula estava finalmente acabando e o trabalho iria começar a qualquer minuto . Era muito cansativo o trabalho doa estagiarios na empresa , mas , pelo menos eu teria algo em que me concentrar .


O professor não dizia nada quando acabava a aula , simplesmente se levantava e abria a porta (um sinal um tanto agressivo para dizer "caiam fora da minha sala") . Nós saiamos da sala e nos direcionávamo para os diferentes departamentos nos quais estagiávamos . Ao contrário do que muitos pensavam , nos não estagiávamos na área que queríamos seguir a principio , isso só acontecia no quarto semestre de estágio.


Segui para meu departamento (almoxarifado) com Roberto , um outro estagiário alto , corpulento e um tanto bobo e desastrado . Entrei na sala e coloquei minha bolsa sobre a mesa do computador que arquivava as entradas e saídas de material de escritório , me espreguicei e olhei em volta . Fui até o quadro de avisos para ver o que eu teria que fazer naquele dia . Não era muita coisa , eu deveria arrumar as entregas de folhas de sufite e das canetas personalizadas da empresa (que eu realmente odiava) . Voltei para a mesa e notei que havia uma outra bolsa além da minha e a de Roberto (que estava apoiada no pé da mesa) , era uma mochila transversal preta com detalhes em pratas e com os cordões dos zipers cor de rosa .


Roberto entrou na sala de repente me assustando , eu nem o havia visto sair . ele pegou a mochila e voltou para a porta .


— Aonde você vai ? — perguntei para ele antes que ele saísse da sala .


— Fui transferido de departamento cara — disse ele virando-se e andando de costas em direção a porta — fiquei aí comendo puer... — Ele parou de falar quando trombou com uma moça que estava entrando na sala . Ele ficou parado , ou quase congelado com algo , não entendi de imediato , só entendi quando ele saio da fente dela pedido-lhe desculpas e eu pude ver (e me deslumbrar) com a beleza dela , seus cabelos castanho claro escorriam lisos até um pouco abaixo dos ombros , a pele era clara e tinha o aspecto de ser feita de uma espécie de mármore macio , seus olhos eram azuis e de uma profundidade incomparável , eu estava simplesmente estasiado com a beleza dela .


Ela olhou para mim , provavelmente porque eu estava quase babando (e me senti muito idiota por isso depois) , ela tinha um olhar doce e incrivelmente inteligente , quase superior , por um momento pensei que talvez ela não fosse humana .


— Oi — disse ela , era simpática, mas tinha timidez na sua voz . Isso me despertou do transe.


— Oi — disse meio abobado levantando a mão em um quase aceno — tudo bem ?


— Tudo — disse ela meio despreocupada passando por mim e se embrenhando entre as prateleiras sem me dar qualquer tipo de atenção . Isso era o suficiente , desistir de fazer contato , me sentia muito inseguro sem alguém por perto para me dar apoio moral , nos ultimos tempo , esse apoio era Leco .


Voltei a mesa , e fiz o que tinha que fazer , arrumei as caixas de folhas de sufite e canetas em meia hora e me sentei diante do computar em busca de algo para fazer . Na falta disso , peguei em minha bolsa o livro "Olhais os Lírios do Campo" e comecei a ler . alguns minutos depois uma arfada me assustou quando e bela garota se precipitou para mim e ficou olhando a capa do livro . Tentando não ser ignorante olhei para ela tentando entender o que estava acontecendo .


— Eu estou lendo esse livro também — disse ela , a voz dela era animada e muito descontraída agora .


— E esta gostando ? — perguntei , eram uma oportunidade perfeita para puxar assunto com ela .


— estou adorando . Em qual parte você está ? — perguntou ela , eu estava realmente gostando daquilo .


— Estou na parte que o Eugênio chega no hospital , mas é tarde mais e Olívia já está morta — eu disse para ela .


A tristeza cobriu seu rosto e eu tentei entender porquê , depois de alguns segundos decidi perguntar .


— Porque ficou triste ?


— Porque eu queria que ele chegasse a tempo — disse ela . Dei um sorriso suave para ela e tive um movimento involuntário : toquei seu queixo com carinho — Desculpa — pedi depois ficando um pouco vermelho .


— Não precisa se desculpar — disse ela me dando um selinho . Foi simplesmente incrível aquilo . Incrível .


Acordei-a dois postos antes do ponto em que deveríamos descer para chegar ao apartamento . Ele levando a cabeça com leveza e olhou para mim .


— Sonhei com o dia em que nos conhecemos — disse ela , em uma voz calma e baixa .


— Eu acho que eu também — disse com uma felicidade incrível subindo por meu pescoço , ela estava alí , para mim .


Subimos as escadas até o 5º andar , abri a porta e ele nos olhou do sofá . a pausa foi curta , mas pareceu uma eternidade , foi somente o tempo de eu ver Leco pulando do sofá e ver Verônica abraçando-o com muito entusiasmo . Nós éramos uma família de novo ,estávamos completos de novo .


— Vou alugar um filme — disse Leco pegando um casaco no braço do sofá e s chaves sobre a estante .


— Para que ? – perguntou Verônica .


— Para comemorarmos — disse ele com um largo sorriso no rosto .

Nenhum comentário:

Postar um comentário