quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Noites de Inverno - Band Aid (2)


 Band Aid

Acordei de manhã , eram por voltas das nove horas . Estava deita na minha cama , coberto com meu grosso cobertor de pelos . Demorei alguns segundos para entender e então o esclarecimento ecoou em minha cabeça que agora latejava , Leco havia me trazido para cama .


Olhei para o outro lado do quarto onde a cama de Leco estava perfeitamente arrumada como eu o ensinara a fazer . Levantei meio tonto e caminhei no caminho decorado (por não enxergava o chão realmente) até a cozinha onde Leco lavava o louça de seu café . Puxei um dos bancos que havia em baixo do balcão , sentei-me e joguei minha cabeça sobre meus braços apoiados no balcão .


Parecia que estava de ressaca .


— Bom dia Vico — disse ele em um tom de deboche .


— Só se for pra você — respondi com ignorância que não era freqüente minha . ele levou isso na brincadeira .


— Quer tomar café ? — perguntou ele . Ele estava evitando a pergunta , mas sua curiosidade (na falta de uma palavra mais apropriada) estava bem expressa em sua voz , estava vendo que eu teria que tocar no assunto .


— Primeiro só um pouco de água — respondi com a voz um pouco mais gentil . Eu realmente não queria tocar no assunto , ele teria que começar .


— O que aconteceu com você ontem Vico ? — perguntou ele me entregando o copo de vidro com água .


Fitei o copo de água pensando numa explicação plausível ... Não havia nenhuma .


— Eu ... eu acho que pirei — respondi ainda fitando o copo .


— Pirou ? — perguntou ele , não havia mais humor em sua voz , ele estava sério .


— É ... Pirei , entrei em colapso — era essa a palavra certa , COLAPSO — Eu entrei em pânico , tudo começou a girar a minha volta . Ou melhor , minha cabeça começou a rodar e eu já não sabia me controlar , estava tudo distorcido . — a descrença em sua face era pior do que eu imaginava . Continue .


— Pode até não acreditar em mim , mas foi realmente isso que ocorreu . — não tinha mais o que explicar .


Conhecer Leco fora de longe a melhor coisa que me aconteceu naquele ano turbulento e eu me lembro perfeitamente daquela tarde em que trombei (literalmente) com ele .


O dia estava quente e abafado , o céu estava azul com uma bela faixa de poluição no horizonte , o ar estava seco e áspero ressecando meus lábios e minha garganta . Eu vestia meu uniforme do estagio com uma blusa de moletom preta (que era meu uniforme pessoal) que usava , não para me proteger do frio , mas sim das pessoas , dos olhos delas , dos pensamentos delas que resvalavam de suas expressões mau humoradas em minha direção . Naquela época um olhar de alguém (que talvez nem estivesse realmente prestando , olhando e pensado algo de mim) era o suficiente para despedaçar minha alma . Era como um tiro de canhão abrindo meu peito e a blusa era meu único escudo , minha única proteção . O suor molhava minha testa mas eu não me importava — na verdade eu não me importava em sentir nada de ruim que pudesse me acontecer , a dor , tanto física quanto sentimental , era algo que eu já convivia , já era parte da minha rotina reprimir a minha raiva , meu ódio , minhas lágrimas — , eu somente continuava andando tentando me concentrar em meu caminho e não nas pessoas que olhavam para mim , inutilmente .


Eu estava apreçado pois não havia muito tempo para descansar na minha rotina — principalmente naquele dia em que eu não teria tempo nem para almoçar — . Avistei o pequeno café onde eu faria minha única refeição até as 6h . Atravessei a correndo e do mesmo jeito entrei pela porta de madeira de aspecto antigo do café trombando com força no rapaz que saía . O café que ele carregava caiu todo em sua camisa e a alça da minha bolsa arrebentou soltando toas as minhas anotações das aulas no chão .


Fiquei totalmente sem saber o que fazer , meu primeiro impulso foi abaixar e pegar os meus papeis do chão dizendo desculpa atrás de desculpas . ele se abaixou com um sorriso simpático no rosto e me ajudou a pegar meu papeis enquanto eu continuava a despejar minhas desculpa sobre ele . Ele continuava insistindo que estava tudo bem e que aquilo fora só um acidente e essa atitude me espantou um pouco — afinal , qualquer outro que estivesse naquele ritmo na cidade teria me xingado pelo menos quatro vezes antes de sair chutando a porta — e acabei sorrido também de surpresa . Ele pegou a minha ultima folha e me entregou já pegando guardanapos sobre a mesa com a outra mãe e passando sobre a mancha de café em sua blusa , eu lhe disse obriga e pude ouvir ele gritar de nada enquanto corria pela porta depois de olhar seu relógio de pulso , provavelmente estava atrasado para alguma coisa .


Peguei meu almoço (um salgado assado com recheio de frango e um suco de pêssego) , comi rápido e voltei para minha correria de sempre . atravesse dois quarteirões até chegar no prédio onde seria sorteado o meu estágio definitivo até eu poder escolher um estágio na área em que eu queria me especializar no terceiro semestre de estágio .


Subi os doze andares correndo escadas acima porque o elevador havia parado do vigésimo segundo andar (e quando cheguei no décimo segundo andar vi o elevador descendo) . Entrei na sala onde vários empregados passavam correndo com seus ternos bem passados e bem arrumados , mesmo vestidos como lordes ingleses ele agiam como animais para conseguirem uma pequena promoção alí , era algo que me assustava , mas mesmo assim eu queria sem um deles , eu queria ser diferente deles , provar que conseguiria fazer o mesmo sem usar métodos sórdidos , eu queria (como sempre) fazer a diferença .


Cheguei na mesa da secretárias que deveria me dizer em qual setor eu iria estagiar , ela parecia estar bem ocupada aparentemente pois haviam varias patas de documentos que ela provavelmente teria que entregar em vários setores diferente e o seu telefone não parava de tocar . Eu me aproximei meio receoso de que ela gritasse comigo e disse :


— Oi , é , eu sou o novo estagiário e... — Ela me interrompeu antes que pudesse terminar a frase e empurrou um papel na minha mãe aonde estava escrito 'almoxarifado - 11º andar , sala 04' . Depois disso ela não precisou dizer mais nada.


Fui direto a sala que o papel me indicava um andar abaixo . Corri um pouco pois já estavam uns quinze minutos atrasados mas achei com facilidade o almoxarifado .


O almoxarifado era bem amplo e tinha muita luz entrando pela janela . Prateleiras nas paredes abrigavam caixas com nomes dos materiais que guardavam escritos na lateral . Havia uma mesa grande no canto perto da janela com um computador que parecia ser bem antigo , mas deveria servir só para arquivar o que havia ali na sala então não era necessária muita tecnologia . Sobre a cadeira ao lado da mesa havia uma mochila que eu achava bem familiar , mas esqueci isso , um barulho me chamou atenção atrás de uma das estantes de material . Fui andando lentamente pra lá e para não ser surpreendido por algo resolvi surpreender , deu um pulo e um grito auto tipo "UAAA!" ao entrar no vão entre as duas prateleiras . Quem estava lá , não era ninguém mais que o cara em quem eu havia derrubado café , ele estava com um lenço na mãe e tentava limpar , pelo menos um pouco , da manhã de café da camisa azul (que era igual a minha . Não tinha prestado atenção na hora em que nos esbarramos , mas ele usava uma camisa igual a minha , era o uniforme do estágio) . relaxei na hora em que o vi , mas fiquei sem saber o que dizer , então disse o básico.


— Oi — foi o máximo que consegui dizer .


— Oi — adiantou-se ele estendendo a mão livre para mim — Leonidas , mas pode me chamar de Leco .


Foi o suficiente para mim . A simpatia dele já havia me conquistado , Leco era o amigo perfeito . E por isso eu devia um explicação a ele , porque ele nunca cobraria essa explicação de mim . Nunca .


— Colapso é a palavra que tem para mim Vico ? — perguntou ele , ainda muito sério .


— Acho que não tenho uma melhor para representar o que aconteceu .


Leco veio em minha direção e ficou em pé ao meu lado .


— Levanta Vico — mandou ele . Levantei sem maiores relutâncias .


Ele olhou fundo em meus olhos e naquele momento eu pensei que finalmente aconteceria , o momento pelo qual eu tanto temia , a ruptura de nossa amizade seria traçada naquele instante ?


Desde que Leco me conhecera e começara a conviver comigo eu vi a luz dele diminuir de intensidade pouco a pouco . Ele estava mais triste e menos simpático , sua personalidade gentil e ágil não mudara , mas seus rosto perdera o sorriso agradável de sempre , temia que fosse por minha causa , temia que ele não quisesse mais aqui , mas eu não o culparia por isso .


Ficamos em pé frente a frente por alguns segundos , mas que pareciam durar uma eternidade , meus pensamentos zuniam em minha cabeça , eu queria chorar , de novo , aquilo estava ficando freqüente de mais .


Leco era realmente o melhor amigo do mundo , pois ele não fez nada , simplesmente me abraçou . o abraço mais forte e quente eu já havia recebido , ele não só era um ótimo amigo mas também sabia exatamente o que eu precisava . Eu tinha uma feria e Leco era meu band aid , ele tinha o remédio certo para curar minhas dores . Ele era um complemente , uma parte que faltava em mim.


— Vamos alugar um filme ? — perguntei para ele , as lágrimas quente caiam de meus olhos , mas eu estava sorrindo , a sensação era de total amparo . E francamente , sem tabu nenhum , a sensação era de amor .


— Sim — respondeu ele sem pestanejar — mas primeiro tome o seu café — completou ele com o sorriso simpático que eu tanto gostava . Aquilo era uma amizade , mas o que exatamente era amizade ? .... " (continua)

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